domingo, 11 de março de 2012

Muitas Vozes

                  "esse outubro essa tarde era um Nordeste
desdobrado em caatingas e castigos
                                                                                                  na lepra do verão
uma ciranda 
de rostos consumidos 
de olhares humanos entre trapos 
na poeira de fogo
                                                  o meu Nordeste
                                              um molambo
embrulhado num relâmpago"

(Trecho de "Bananas podres 2", de Ferreira Gullar)
"O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
arroz 
não cabe no poema. 
(...)

O funcionário público 
não cabe no poema
com seu salário de fome
e sua vida fechada em arquivos 
 (...)

- porque o poema, senhores,
está fechado:
'não há vagas'
(...)

O poema, senhores, 
não fede
nem cheira"

(Trecho de "Não há vagas", de Ferreira Gullar)
"No povo meu poema vai nascendo
como no canavial
nasce verde o açúcar

(...)

Ao povo seu poema aqui devolvo
menos como quem canta
do que planta." 

(Trecho de "Meu povo, meu poema", de Ferreira Gullar)
"Como dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
embora o pão seja caro
e a liberdade pequena

Como teus olhos são claros 
e a tua pele, morena
como é azul o oceano
e a lagoa, serena

(...)

- sei que dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena

mesmo que o pão seja caro
e a liberdade, pequena."

(Trecho de "Dois e dois: quatro", de Ferreira Gullar)
Meu povo é meu abismo. 
Nele me perco: 
 a sua tanta dor me deixa
surdo e cego. 

Meu povo é meu castigo
meu flagelo: 
seu desamparo, 
meu erro. 

Meu povo é meu destino
meu futuro: 
se ele não vira em mim
veneno ou canto - 
                                                 apenas morro.

("Meu povo, meu abismo", de Ferreira Gullar)